O acesso à justiça e o racismo

uma análise do julgamento do habeas corpus 208.240/SP no Supremo Tribunal Federal

Palavras-chave: acesso à justiça, racismo, busca pessoal, perfilamento racial, colonialismo jurídico

Resumo

Busca-se apresentar os discursos proferidos no julgamento do HC 208.240/SP, que debateu o perfilamento racial no Supremo Tribunal Federal, analisando como as narrativas dialogam com uma perspectiva crítica de acesso à justiça e racismo, estabelecidas pelas autoras Zafallon, Pires, Flauzina e Alves. Objetiva-se investigar se, à semelhança do anotado pelas pesquisadoras, também se identifica no julgamento realizado padrões de “blindagem judicial”, definidos por Zafallon, e de “colonialidade da justiça” reportados em Pires, Flauzina e Alves. Descreve-se o caso concreto; o marco legal e jurisprudencial estabelecido como premissa ao julgamento; o parecer da Vice Procuradora Geral da República e os votos dos Ministros. Analisam-se aspectos gerais e específicos do julgamento, correlacionando-os com os conceitos de racismo reverso; racismo por denegação; mito da democracia racial; pacto narcísico; colonialidade da justiça e blindagem judicial. Conclui-se que é possível identificar mais semelhanças que diferenças, em comparação às perspectivas indicadas pelas autoras mencionadas no referencial teórico. Identifica-se, contudo, um diferencial relevante no julgamento do HC 208.240/SP: a existência de vozes dissonantes da maioria, que buscaram contrapor-se ao discurso hegemônico, baseando-se em conceitos mais contextualizados quanto à forma peculiar de atuar do racismo no Brasil. Sinaliza-se para a expectativa de um aprimoramento à democratização da justiça criminal ante a oportunidade de o Supremo Tribunal manifestar-se novamente quanto ao tema, no julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 973, que versa sobre o reconhecimento do estado de violação sistemática dos direitos fundamentais da população negra do país.

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Biografia do Autor

Flaviane Montalvão Siqueira, Universidade de Brasília

Bacharela em Direito pela Universidade de Brasília (2014), com especialização em Ciências Criminais. Atualmente, é mestranda em Direito, Regulação e Políticas Públicas (PPMD - UNB). Desde 2018, é Analista Judiciária do Supremo Tribunal Federal, trabalhando em gabinete de Ministro.

Lívia Kim Philipovsky Shroeder Reis, Universidade de Brasília

Graduada em Direito, com especialização em Ciências Criminais, e atualmente cursa o mestrado em Direito, Regulação e Políticas Públicas pela Universidade de Brasília (UnB). Exerce o cargo de Analista Judiciária na Justiça Federal de Primeiro Grau no Paraná e, desde 2017, está cedida ao Supremo Tribunal Federal, onde exerce a função de Assistente Judiciária em gabinete de Ministro

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Publicado
2024-11-19