Editorial - Revista da Defensoria Pública do Distrito Federal (Vol. 2, n. 2, 2020)

Palavras-chave: Revista da Defensoria Pública do Distrito Federal, Editorial

Resumo

Com o objetivo de reunir contribuições relevantes sobre os vieses jurídicos que são interpelados e se relacionam à relevante situação sanitária presente, a Revista da Defensoria Pública do Distrito Federal (RDPDF), em seu segundo número do segundo volume de 2020, reuniu o dossiê temático Direito e Justiça em tempos de pandemia.

As possibilidades teóricas e práticas de um ordenamento jurídico orientado para a defesa de direitos e garantias fundamentais, voltado para assegurar um Estado democrático de Direito que consiga manter um estatuto mínimo para a tutela de sua cidadania e de elementos essenciais para uma vida digna, encontra-se confrontado diante da realidade e das demandas advindas dos efeitos deletérios das infecções e mortes provocadas pelo vírus Covid-19 ou Sars-CoV-2.

Alçado, em 30.01.2020, pela Organização Mundial da Saúde em nível de pandemia, além do número grande de falecimentos e de contágios, o alastramento da doença também acentuou desigualdades e dificuldades, de diversas matizes, especialmente em sociedades que já se encontram marcadas por discriminação social, racismo e sexismo. A crise sanitária, que já deu azo a inúmeras medidas restritivas, evidencia necessidades não usuais e demandas por atuações estatais e jurídicas, tanto do sistema de justiça, seus operadores, como pela própria sociedade civil. Além das conformações comunitárias, exige interpelações de política pública e de um nível de enfrentamento mínimo pelos dirigentes estatais, eis que orientadores de desígnios populares e, não menos relevante, tomadores de decisão e ordenadores de gastos públicos.

O Brasil, neste cenário, foi um dos países mais vitimados, mesmo se desconsiderando as subnotificações da doença, e houve a adoção de estratégias, ainda que não adequadas, de diversos níveis e instâncias, que resultaram em pleitos judiciais. Se a crise sanitária reformulou a área médica, com modificações de protocolos, advento de novas pesquisas, e a adoção de protocolos emergenciais, o cenário jurídico também se viu diante de inúmeras turbulências e teve, em inúmeras oportunidades, que direcionar as políticas públicas para a consecução de suas finalidades. Tal situação, em si, já seria suficiente para evidenciar complexidades inúmeras.

Mas a crise sanitária não se limitou a aspectos políticos ou jurídicos. O ano de 2020, que se aproxima de seu término, foi marcado sensivelmente por novas formas de (con)vivência social, máscaras, distâncias e interações. Os reflexos culturais, econômicos e políticos são indicativos de que, possivelmente, o cenário instaurado e as medidas tomadas, com acerto ou não, possuem propensão a permanecer em período prolongado no cenário sociojurídico, inclusive com os questionamentos daí advindos. Ainda são inúmeras indagações abertas, pendentes de resolução ou, ao menos, de um contexto em que respostas plausíveis a longo prazo sejam possíveis, e tais questionamentos tocam diversas áreas do Direito, especialmente pela natureza plural dos contextos afetados pela Covid-19. Modificações ou novas interpretações constitucionais, discussões acerca de estados de emergência, instabilidade, bem como o advento de modificações normativas que não necessariamente justificam-se diante desse cenário sanitário; em âmbito administrativo, tensões advindas das restrições e penalizações pelos regramentos que impõe deveres em áreas públicas ou de acesso coletivo; modificações legais que impactaram sensivelmente em normas materiais e adjetivas, obstando, por exemplo, medidas cautelares, de efetividade ou, ainda, suspendendo eficácia de preceitos; na seara do direito criminal, além da exposição da fragilidade dos encarcerados, com a tomada de decisões que acabavam por cercear ainda mais o já reduzido estatuto sociojurídico, a criminalização da pobreza acentuou-se com a adoção esporádica de medidas mais rigorosas em localidades menos abastadas, mantendo-se uma lógica perversa que distancia ainda mais as periferias dos centros. Enfim, tensionamentos jurídicos e sociais relevantes.

Este número apresenta relevantes contribuições, que refletem diferentes e importantes visões sobre aspectos jurídicos desse momento de pandemia, não se descurando da relevante função social desempenhada pela Defensoria Pública e de seu (potencial) papel de enfrentamento das distâncias e desigualdades estruturais. Esta publicação soma-se a outras que versam sobre o grave quadro social que é influenciado, modificado ou agravado pelo Covid-19, o que ressalta sua relevância e necessidade. Busca-se, pelas reflexões intelectuais, ir além do mero dogmatismo, por diversas vezes essencialmente téorico e, por tal razão, distanciado dos silêncios legais e esquecimentos normativos.

No artigo que abre este número, Amanda Luize Nunes Santos e Luciana Alves Rosário, com o objetivo de compreender os reflexos do Covid-19 para as famílias afetadas pelo vírus Zika, ofertam o texto Reflexos da Pandemia da Covid-19 para as famílias afetadas pelo vírus Zika no Brasil: a urgência do direito à proteção social, no qual evidenciam como as medidas mostram-se limitadas, causando uma dupla discriminação e maior vulnerabilização diante desse grave quadro sanitário.

Marina Carvalho Freitas, em O papel das audiências de custódia e a atuação da Defensoria Pública no controle da violência policial e na redução do encarceramento imoderado, sobretudo em tempos de pandemia, irá apreciar as audiências de custódia, situando-as como medida imprescindível para a mitigação do encarceramento em massa e para a tutela contra prisões ilegais, persistindo a sua relevância diante do novo quadro pandêmico.

No artigo Infodemia e desinformação em tempos de pandemia: um levantamento das principais notícias falsas disseminadas nas redes sociais no Brasil durante o estágio inicial da Covid-19, de João Victor Barbosa Ferreira, a partir da categoria infodemia, que representa o excesso de informações sobre determinada temática ou assunto, não necessariamente verdadeiras ou corretas, busca evidenciar um fazer político-governamental que, não amparado cientificamente ou de cientificidade duvidosa, teria potencial para colocar em risco a saúde de grande contingente populacional, especialmente diante das incertezas postas pela crise sanitária.

Embora não se direcionem diretamente para a pandemia do Covid-19, os próximos artigos trazem elementos de relevância jurídica e que permanecem essenciais para discussões acerca do fazer jurídico.

Em O valor das palavras no processo penal: ponderação das palavras isoladas da vítima e do réu em casos de violência doméstica, Luís Roberto Cavalieri Duarte busca problematizar o valor probatório entre as narrativas orais de vítimas e autores de delitos, especialmente aquelas prestadas perante o sistema judicial de enfrentamento à violência doméstica. A partir das premissas jurídico-legais e de discussão jurisprudencial, discute a parcialidade das versões, que se distanciariam sobretudo das provas testemunhais.

Por derradeiro, Márcio Del Fiore, em Sejamos todos feministas: isso não é uma opinião, mas um fato acerca da masculinidade contemporânea, conclama para que homens reflitam acerca da masculinidade hegemônica e do histórico de menosprezo e violências contra as mulheres, em razão de seu gênero, para assumirem uma forma de agir não sexista, que poderia romper com a estrutura patriarcal da sociedade, razão estruturante de diversas violências.

Reitero o convite para a leitura do presente número, que oferta relevantes contribuições científicas em momento tão singular e relevante do momento contemporâneo, bem como convido a participarem dos diálogos apresentados.

 

Alberto Carvalho Amaral

Editor-chefe

Revista da Defensoria Pública do Distrito Federal

Downloads

Não há dados estatísticos.

Biografia do Autor

Alberto Carvalho Amaral, Universidade de Brasília

Editor-chefe da Revista da Defensoria Pública do Distrito Federal. Doutorando em Sociologia (UnB). Mestre em Direito (UniCEUB). Defensor Público do Distrito Federal

Referências

.
Publicado
2020-11-11
Como Citar
Amaral, A. C. (2020). Editorial - Revista da Defensoria Pública do Distrito Federal (Vol. 2, n. 2, 2020). Revista Da Defensoria Pública Do Distrito Federal, 2(2), 9-11. https://doi.org/10.29327/2193997.2.2-1

##plugins.generic.recommendByAuthor.heading##

1 2 > >>