A assistência qualificada de vítimas e a propositura de ações penais privadas ou subsidiárias da pública pela Defensoria Pública

Palavras-chave: assistência qualificada da vítima; Defensoria Pública; ação penal privada; justa causa; inquérito policial.

Resumo

O artigo analisa as hipóteses previstas na legislação para a assistência qualificada de vítimas pela Defensoria Pública, especialmente diante da possibilidade de propositura de ações penais privadas por defensores públicos. Segundo a doutrina, as hipóteses de assistência qualificada da vítima na Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) e na Lei de Racismo (Lei nº 7.716/1989) não se confundem com a assistência de acusação prevista no Código de Processo Penal, em razão das inegáveis distinções teleológicas e procedimentais dos institutos. Ademais, o Supremo Tribunal Federal leciona que o defensor público tem o poder-dever de apresentar as ações penais privadas ou subsidiárias da pública requeridas pelas vítimas, quando cabíveis, consoante entendimento firmado na ADI nº 576/RS. Essa função assume particular importância na hipótese de vítimas que possuem direito à assistência jurídica qualificada, cujos interesses podem não coincidir com os órgãos tradicionais de persecução penal. Todavia, deve-se entender que a Defensoria Pública não pode ser transformada em instrumento de ampliação do poder punitivo do Estado, razão pela qual tal atribuição da Defensoria Pública deve ser excepcional e fundamentada em justa causa suficiente para a deflagração da ação. No julgamento da ADI nº 4346/MG, o Supremo Tribunal Federal entendeu que é inconstitucional atribuir à Defensoria Pública a prerrogativa de requisitar a instauração de inquérito policial. Todavia, a Corte não aprofunda o debate acerca dos instrumentos que devem ser utilizados pelo defensor público para o cumprimento de seu poder-dever, o que revela a necessidade de maior amadurecimento do tema.

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Biografia do Autor

Tiago Kalkmann, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Defensor Público do Distrito Federal, com atuação na área criminal e direitos humanos. Mestre em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Autor da obra: Desacato, Legalidade e Liberdade de Expressão, pela editora Appris (2021)

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Publicado
2024-12-31
Como Citar
Kalkmann, T. (2024). A assistência qualificada de vítimas e a propositura de ações penais privadas ou subsidiárias da pública pela Defensoria Pública. Revista Da Defensoria Pública Do Distrito Federal, 6(3), 111-136. Recuperado de https://revista.defensoria.df.gov.br/revista/index.php/revista/article/view/269
Seção
Artigos